Covid-19 ou o Cisne Negro?
Publicado em Mar, 23, 2020

Entrevista do nosso Bastonário ao Expresso Online de 20/03/2020:

 

"O Bastonário da Ordem dos Economistas alerta que para mitigar o impacto económico provocado pelo coronavírus, "a resposta terá que ser dada de forma concertada e a nível europeu, sendo necessária uma muito maior proactividade, bem como um reforço dos programas de compra de dívida"

A actual pandemia Covid-19 vem marcar um importante ponto de inflexão na crescente confiança e optimismo dos últimos anos.

Numa altura em que as previsões para 2020 já não eram as mais optimistas, denotando-se sinais de um abrandamento sincronizado à escala global, o Vovid-19 veio catalizar essa reacção, disseminando aquilo que parece ter começado num mercado na China numa quase certa e iminente recessão económica global.

Em plena era da inteligência artificial e da digitalização, onde tudo se passa muito rapidamente, também as epidemias se elevam a ritmos impensáveis. A particularidade do mundo global em que vivemos, onde praticamente nenhum país vive isoladamente, tornou-se o ecossistema perfeito para a disseminação de vírus do tipo do SARS-CoV-2, encontrando-se como vectores de transmissão as trocas comerciais, as cadeias de produção, o turismo, os fluxos migratórios ou a livre circulação.

Ora sempre que princípios básicos se encontrem em causa, como a Saúde, tudo o resto terá de ser remetido para segundo plano. Contudo, não deixa de ser de extrema relevância a análise e avaliação dos seus impactos na Economia.

Resultantes da disseminação deste surto, são esperados diversos impactos económicos. Primeiramente, o impacto global da quebra da economia chinesa, pelo menos nos primeiros trimestres deste ano. Depois, o choque no lado da oferta, resultante das falhas nas cadeias de produção e do absentismo (a produtividade do teletrabalho terá de ser avaliada após esta situação que vivemos). Mas, igualmente, há que levar em devida conta a diminuição da procura, fruto de uma maior incerteza e do adiamento das decisões de investimento. E, por fim, o impacto já esperado na liquidez das empresas.

De um ponto de vista macroeconómico, apesar de algumas recentes melhorias, Portugal apresenta ainda graves susceptibilidades, tal como a Ordem dos Economistas tem reiterado quer através do seu Barómetro Trimestral da Fiscalidade, quer nas diversas intervenções públicas, quer ainda no think-tank Missão Crescimento.

O nosso país apresenta a terceira maior dívida da europa em percentagem do P.I.B. (119,5%), sendo o peso dos juros o segundo mais elevado da União Europeia, implicando uma excessiva exposição a riscos externos.

Acresce que a sustentabilidade das contas públicas depende de uma elevada carga fiscal, sobre as empresas e sobre as famílias, que verá a sua receita diminuir em função dos estabilizadores automáticos ligados ao decréscimo da actividade económica .

Em sentido contrário, é expectável que a despesa pública, com o seu carácter rígido, seja mais elevada através do aumento (mais que necessário, neste período) dos gastos em Saúde, da atribuição de prestações sociais adicionais ou de medidas de fomento da Economia.

Evidentemente, as previsões incluídas no OE/2020 deixaram de fazer sentido à luz da conjuntura actual. As metas de crescimento, a redução da dívida, a manutenção de baixas taxas de desempego, a estabilidade das taxas de financiamento ou o tão esperado e festejado excedente orçamental, certamente não irão corresponder às expectativas.


Esta é a mais evidente demonstração do maior risco que resulta da não realização de importantes reformas estruturais, há muito identificadas, mas sempre adiadas, mesmo já numa altura em que as ameaças já eram visíveis (a guerra comercial entre a China e os EUA, as tensões geopolíticas, o Brexit ou a situação do sistema financeiro italiano). O país fica, pois, mais exposto a choques exteriores, acrescendo agora a inesperada pandemia da Covid-19.


Deste vírus, o tão temido cisne negro, para além dos graves e numerosos impactos ao nível da Saúde, já resultou a maior quebra bolsista de sempre do PSI-20 neste século, uma guerra petrolífera envolvendo a Rússia e a Arábia Saudita e o encerramento crescente de fronteiras por parte de diversos Estados. No que se refere ao impacto económico, a OCDE já reviu o crescimento mundial de 2,9% para 2,4%, sendo o cenário mais pessimista de 1,5% a nível da Europa, e a Comissão Europeia estimou um impacto de 2,5 pontos percentuais face à estimativa inicial de crescimento(1,4% do PIB),fixando a nova estimativa numa possível recessão de 1% do PIB.


Tendo tudo isto em conta, o que se poderá fazer para mitigar este impacto económico? A resposta terá que ser dada de forma concertada e a nível europeu, sendo necessária uma muito maior proactividade, bem como um reforço dos programas de compra de dívida, garantindo que o risco da dívida dos países do sul não sobe, podendo passar pela mutualização da nova dívida que venha a ser gerada a nível europeu. A U.E. não pode falhar e tem uma oportunidade para mostrar que a sua capacidade de resolução de uma situação como esta existe e será exercida com êxito.

Do lado das empresas, é necessária uma flexibilização dos pagamentos fiscais e de crédito, de modo a evitar a insolvência de empresas por falta de liquidez, bem como o lançamento de programas de apoio ao investimento e de minimização dos custos gerados pela Covid-19.

Do lado das famílias, deverão ser concedidos apoios para além dos já anunciados, para casos com maior número de dependentes e menos rendimento, assim como uma maior flexibilização no pagamento de créditos à habitação, da electricidade e da água.

Os tempos que estamos a viver são difíceis para todos. Também para os decisores políticos dos vários países assolados por esta pandemia. Mas poderemos ultrapassá-los, trabalhando juntos e em sintonia. Afinal, as epidemias têm um carácter cíclico e a História da humanidade mostra-nos isso. E, no final, há que encarar a estranheza do presente que estamos a viver com a possível normalidade, quanto mais não seja para nos lembrar a lição de que os cisnes nem sempre são brancos."

Link: https://expresso.pt/economia/2020-03-20-Covid-19-ou-o-Cisne-Negro-

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