Elogio da Velhice e a Vida depois do COVID-19
Publicado em Abr, 13, 2020

 

Envelhecer é um processo natural e tal como os outros estádios da vida tem os seus próprios valores, a sua própria sabedoria e os seus próprios prazeres e tristezas. Todo aquele que envelhece sabe que apesar dos cabelos brancos ou da diminuição das suas forças, possui uma riqueza de experiências vividas, é ainda capaz de aumentar a rede das suas relações e interdependências e que, desde que a memória esteja desperta, nada do que já passou se perde.

Pois bem, na sociedade actual, em que a esperança de vida é a maior que o homem já teve ao longo da história da humanidade, ser velho é um estigma. E tornou -se usual compartimentar a sociedade em dois grupos: os novos e os velhos.

Com o eclodir desta pandemia provocada pelo covid-19, a situação tem vindo a tornar-se cada vez mais difícil para os mais velhos. Considerados pelas autoridades de saúde como grupo de risco, ficaram obrigados a um confinamento exigente, vivendo a maior parte deles sozinhos ou, se forem mais bafejados pela sorte, em casal, mas apartados dos filhos e dos netos. Claro que os restantes, os mais novos, também estão forçados a cumprir uma quarentena para evitar contágio, mas uma quarentena familiar. Partiu-se a sociedade em dois grupos. Embora a taxa de letalidade seja mais elevada entre os mais velhos, como é natural, não é justo considerar que a velhice é uma doença ou um mal. Claro que os mais velhos podem ser as maiores vítimas desta pandemia, mas não representam uma ameaça apenas por terem mais idade, sobretudo se forem saudáveis. E, felizmente, devido aos progressos da medicina nos últimos decénios, pela qualidade de vida que a sociedade foi proporcionando, à melhoria dos regimes alimentares e dos hábitos de vida, muitos homens e muitas mulheres mantêm saúde até idades muito avançadas.

Em consequência, o que a sociedade deve pugnar, respeitando sempre o que for determinado pelas entidades de saúde, é a proteção de uns aos outros, sem essa maniqueísta ideia sobre a perigosidade dos mais velhos, defendida por alguns.

A Sociedade Portuguesa de Geriatria e Gerontologia (SPGG) que tanto tem feito por aqueles que, felizmente, atingem essa fase da vida, é muito importante no  combate contra  o estigma que a sociedade desenvolveu acerca de ser velho, de quase se ter culpa de querer viver. E nada de posições moralistas, aproveitando esta fase que estamos a atravessar. A idade não pode nem deve ser nunca um critério numa sociedade que se preze para escolher, em caso limite, entre quem é mais velho ou é mais novo. A idade cronológica nunca deverá ser aceite como critério, mas sim a idade biológica. E essa, tanto poderá ser apanágio de quem ainda não chegou aos sessenta anos, como o poderá ser de quem  é mais velho.

A riqueza de experiências, a serenidade e o autodomínio que a vida nos vai proporcionando, à medida que a mesma  se desenrola, são um valor adquirido que pode ser passado às gerações mais novas, que deve ser devidamente valorizado e sobretudo  nos deve fazer pensar que, mais novos ou mais velhos, todos  fazemos parte de um todo que ficará sempre mais enriquecido e valorizado se, por uma vez, deixar de se encarar o envelhecimento como uma menos-valia ou uma sobrecarga.

Esperemos que assim seja e confiemos nos profissionais da saúde, na sua competência, sabedoria e generosidade para combater a pandemia que, presentemente, tanto nos preocupa .

E a preocupação quanto aos aspectos relativos à saúde também se  estende aos aspectos económicos. Com o estado de emergência e a quarentena exigida, a vida económica do nosso país, tal como tantos outros países deste mundo global em que hoje vivemos, está paralisada, congelada. E, evidentemente, que terá os seus efeitos sobre a actividade económica, sobre a criação de riqueza, sobre o crescimento e desenvolvimento de Portugal.

São esperados impactos relevantes derivados da quebra da economia mundial, nomeadamente das maiores potências, bem como do lado da oferta, resultante de falhas nas cadeias de produção, do absentismo e, do lado da procura, resultante da maior incerteza e do adiamento de decisões de investimento, com repercussão na liquidez das empresas.

A resposta a todos estes problemas terá de ser dada não só pelos governos de cada país, mas de forma concertada no caso da União Europeia a que pertencemos, com as naturais dificuldades de serem 27 países, com níveis de vida e desenvolvimento diversos. Efectivamente, já foram aprovadas as primeiras medidas, da parte do Banco Central Europeu, do Banco Europeu de Investimento e do Mecanismo Europeu de Estabilidade. Outras decerto se seguirão, à medida da evolução da pandemia e dos efeitos perniciosos sobre a saúde e a economia. A Europa não pode falhar, tem de actuar com rapidez e com processos simplificados, de forma a combater este difícil  e longo período.

Mas, como a História nos mostra, as epidemias têm um carácter cíclico e devemos encarar este estranho presente que estamos a viver com a possível normalidade e esperança. E todos, novos e velhos, numa comunhão de esforços, experiências e coragem.

 

RUI LEÃO MARTINHO

Bastonário da Ordem dos Economistas/Membro do Conselho Científico Multidisciplinar da SPGG

 

Próximos eventos