Macau conheceu, nos séculos XVI e XVII, períodos de grande prosperidade económica, decorrente, fundamentalmente, do facto de constituir o único entreposto comercial do Ocidente no Oriente, desempenhando, assim, uma importante função de intermediação no comércio intercontinental, designadamente entre a Europa, a China, o Japão e o Sul da Ásia. Citando o escritor inglês Austin Coates, "Macau became the outpost of all Europe in China".
1. Introdução
Referência ao papel histórico desempenhado por Macau no desenvolvimento das relações económicas entre a Europa e a China.
Permitam-me que inicie esta minha intervenção agradecendo aos ilustres promotores e organizadores deste Forum o honroso convite para partilhar convosco alguns tópicos de reflexão sobre o papel de Macau como plataforma de cooperação entre a União Europeia e a China, no âmbito mais geral do painel sobre estratégias de desenvolvimento.
Gostaria, ainda, de felicitar os organizadores pela importância e oportunidade desta iniciativa, que tem lugar a pouco mais de sete meses da data da transferência, após mais de quatro séculos de administração portuguesa, de Macau para a República Popular da China e em vésperas da passagem para um novo milénio.
Macau conheceu, nos séculos XVI e XVII, períodos de grande prosperidade económica, decorrente, fundamentalmente, do facto de constituir o único entreposto comercial do Ocidente no Oriente, desempenhando, assim, uma importante função de intermediação no comércio intercontinental, designadamente entre a Europa, a China, o Japão e o Sul da Ásia.
Citando o escritor inglês Austin Coates, "Macau became the outpost of all Europe in China".
O desenvolvimento de Macau como plataforma no comércio entre a China a Europa, trouxe, igualmente, um significativo intercâmbio cultural, entre o Oriente e o Ocidente, que moldou a identidade multicultural que Macau é hoje em dia.
Com efeito, Macau tem constituído, ao longo da sua História, um ponto de confluência entre o Ocidente e o Oriente e uma porta de ligação ao Sul da China, sendo um exemplo marcante de intercâmbio no domínio económico e de coexistência entre civilizações e culturas muito distintas.
2. A transferência do exercício de soberania de Portugal para a República Popular da China (RPC). a criação da região administrativa especial de Macau (RAEM): o seu elevado grau de autonomia à luz da declaração conjunta sino- portuguesa e da lei básica da RAEM.
Nos termos da Declaração Conjunta sobre a questão de Macau, assinada, em Março de 1987, entre a República Portuguesa e a República Popular da China, esta voltará a assumir, em 20 de Dezembro de 1999, o exercício da soberania sobre o Território, estabelecendo a Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), em conformidade com o princípio "um país, dois sistemas."
Assim, a RAEM gozará de um elevado grau de autonomia, excepto nas relações externas e na defesa, com poderes executivo, legislativo e judicial independentes, mantendo os actuais sistemas económico e social, bem como os seus próprios ordenamentos político, económico e jurídico.
A Região Administrativa Especial de Macau continuará a definir e a aplicar, de forma autónoma, as suas próprias políticas em matéria económica, monetária e financeira, manterá uma moeda própria e a total liberdade da circulação de capitais, permanecerá um porto franco e um Território aduaneiro autónomo.
A economia do Território manterá, assim, as características liberais que a têm caracterizado desde a sua origem no século XVI, como entreposto comercial entre o Oriente e o Ocidente, não aplicando direitos aduaneiros ou outras restrições ao comércio.
Acresce, ainda, que a RAEM poderá estabelecer relações económicas de benefício mútuo com outros países, e, sob a denominação "Macau, China", poderá manter e desenvolver, por si própria, relações económicas, comerciais, financeiras, de transporte, de comunicações, de turismo, culturais, científicas, tecnológicas, desportivas e outras, e nesse âmbito, celebrar acordos com os países, regiões e organizações internacionais interessados e poderá participar nas organizações e conferências internacionais.
Os princípios fundamentais acima mencionados e as respectivas políticas constam, igualmente, da Lei Básica da RAEM, adoptada, em Março de 1993, pela Assembleia Popular Nacional da RPC, e permanecerão inalterados pelo período de pelo menos 50 anos.
3. O período de transição
Com a entrada em vigor da Declaração Conjunta iniciou-se o período de transição, de 12 anos, que vigora até à data de transferência de Administração, durante o qual a Administração Portuguesa definiu e executou um vasto programa de políticas de desenvolvimento económico e social, visando, designadamente, os seguintes objectivos:
·promover o crescimento económico;
·assegurar um conjunto moderno e diversificado de grandes infraestruturas nos domínios dos transportes, comunicações, ambiente e cultura;
·garantir, para a futura RAEM, a liberdade de comércio e as características de porto franco que sempre caracterizaram o Território;
·afirmar Macau no plano internacional como entidade autónoma;
·consolidar o sistema financeiro e a estabilidade cambial;
·desenvolver um sistema de ensino apto a responder às necessidades económicas e sociais do Território;
·estabelecer um quadro moderno de relações laborais e promover a valorização e qualificações dos recursos humanos;
·implementar um regime de segurança social moderno, promovendo o seu desenvolvimento de forma evolutiva;
·desenvolver um sistema de saúde moderno e tendencialmente gratuito.
O processo de desenvolvimento económico e social de Macau neste período de transição tem-se caracterizado, essencialmente, pelo dinamismo competitivo das suas estruturas produtivas e baseou-se inicialmente na expansão da indústria orientada para a exportação, designadamente dos sectores têxtil e do vestuário, e em que os serviços, incluindo o turismo, desempenhavam um papel secundário. Vantagens comparativas em relação a Hong Kong, ao nível dos custos de operação, especialmente em termos de mão-de-obra, favoreceram a atracção de investimentos significativos.
O modelo económico tem sido marcado, nas últimas décadas, por políticas liberais, designadamente nas áreas do comércio externo e dos fluxos de capitais.
Na década de 80, o crescimento médio anual da economia de Macau foi de 7,7 por cento. Este elevado crescimento real do produto foi assegurado por uma forte expansão da procura interna e das exportações.
A política de abertura e de reformas adoptada pela RPC e, ainda, o aumento da concorrência de vários países asiáticos nos mercados mundiais, tiveram como consequência uma alteração significativa das vantagens comparativas da economia do Território e conduziram a mudanças profundas da sua estrutura económica, marcada, neste período, por um forte crescimento do sector terciário.
Assim, já na primeira metade da década de 90, assistiu-se a uma deslocalização de actividades industriais, sobretudo as mais intensivas em mão de obra, para outras economias, designadamente para o sul da China e, simultaneamente, verificaram-se novos investimentos no sector de serviços.
Macau tornou-se, pois, um dos maiores investidores na R.P. China, ocupando o oitavo lugar, enquanto na Província de Cantão é o quarto maior investidor externo.
O crescimento anual médio de Macau, na primeira metade da década de 90, foi de cerca de 6%, em termos reais, essencialmente induzido pela procura interna, nomeadamente pelo investimento no sector da construção e obras públicas, marcado, fundamentalmente, por um vasto programa de investimentos públicos em infraestruturas, especialmente nos sectores dos transportes e comunicações, ambiente, saúde, educação, turismo e cultura.
Por outro lado, tem-se assistido a novos desenvolvimentos no sector de serviços, e a partir de 1991, as receitas externas provenientes da exportação de serviços têm sistematicamente ultrapassado as de exportações de mercadorias. Macau é, no presente, uma economia baseada fundamentalmente no sector de serviços, o qual emprega cerca de 73% da população activa. As receitas de serviços, em particular, asseguram um excedente confortável da balança de pagamentos, tendo os serviços relacionados com o Turismo uma quota parte importante nestas receitas.
No entanto, não podemos deixar de reconhecer as dificuldades que, recentemente, a economia de Macau tem vindo a defrontar, particularmente agravadas com a crise que tem afectado as economias asiáticas e que, aliás, se extendem a outras regiões do mundo, e que não poderia deixar de afectar o Território, dado o elevado grau de abertura da sua economia.
Macau atravessa, assim, um período de recessão económica, na qual os sectores mais atingidos são o da construção e imobiliário, onde se verificam quebras acentuadas do investimento, e o dos serviços, especialmente os relativos ao turismo, designadamente o comércio, restaurantes e hotéis, bem como o próprio jogo.
É, ainda, de referir como factores altamente positivos da actual situação económica de Macau, o facto do Território ter orçamentos equilibrados, sem qualquer dívida directa externa ou interna, possuir reservas cambiais do ordem dos 2,46 mil milhões de dólares, que cobre cerca doze meses de importações, para além de uma reserva financeira afecta à futura RAEM, constituída pelo designado Fundo de Terras, que é actualmente de cerca de 1,12 mil milhões de dólares.
Macau encontra-se, pois, perante um quadro de mudanças que condiciona profundamente as suas perspectivas de desenvolvimento nesta viragem do século.
Em primeiro lugar, as limitações de ordem física e as vantagens comparativas da RPC, bem como de outros produtores do Sudeste Asiático, em termos de baixos salários e abundância de mão-de-obra, continuarão a constituir constrangimentos ao desenvolvimento da indústria em Macau. Pelo contrário, deverá admitir-se a continuação de movimentos de relocalização nos sectores tradicionais, designadamente têxteis e vestuário, embora a liberalização do comércio mundial nestes sectores, acordada na Organização Mundial do Comércio, de que Macau é membro, apenas venha a afectar, significativamente, as exportações de Macau nas últimas fases do processo, sobretudo após 2005, continuando até àquela data a vigorar o sistema de quotas acordado com a União Europeia e os EUA.
Neste sentido, o Governo tem vindo a adoptar um conjunto de medidas no sentido no sentido de promover a modernização e a diversificação da economia, designadamente do próprio sector industrial, embora se reconheça que este não possa desempenhar, como no passado, um papel motor da economia.
Não estando em causa a importância decisiva do turismo na economia do Território, há que aproveitar e maximizar as boas condições de que Macau dispõe para a continuação do desenvolvimento no sector de serviços, numa perspectiva de crescente integração económica, designadamente no que toca à existência de boas infraestruturas de telecomunicações e de transportes e à oferta, a baixo custo. dos espaços físicos e à disponibilidade de mão-de-obra.
Assim, foi lançado um programa tendente a atrair para Macau novos serviços, através da localização (ou relocalização) de "back offices", "call centers" e serviços "offshore".
Macau não deve, assim, ser visto na perspectiva do seu limitado mercado interno (a respectiva população atingia, no final de 1998, cerca 430 mil residentes, com um rendimento anual per capita elevado, que ultrapassava já os 17 mil dólares dos ELA), sendo antes de destacar diversos factores favoráveis decorrentes do seu enquadramento regional e do seu relacionamento externo.
4. Importância do relacionamento União Europeia/Macau
Para Macau, além do dinamismo das trocas comerciais e das relaçõe económicas, os laços com a União Europeia,. designadamente ao nível da cooperação são entendidos como contribuindo positivamente para o desenvolvimento económico e para a afirmação internacional da autonomia e da identidade do Território.
A partilha de valores fundamentais, inerentes a uma sociedade baseada no primado do direito, e as características de Macau. corno espaço intercultural, constituem vectores fundamentais que podem facilitar a aproximação entre a Europa e a Ásia. Assim, para a própria União Europeia,. este relacionamento assume importância na perspectiva de abertura de janelas na Ásia., podendo funcionar corno ponte para a cooperação com esta região, em particular com o sul da China.
Para a própria China, Macau pode constituir, de forma crescente, uma importante plataforma no comércio de produtos e serviços com a Europa, servindo, designadamente, como uma base logística de apoio e de serviços à produção, ao comércio e à transferência de tecnologia,. Decorrentes, por um lado, dos investimentos europeus na RPC, e, por outro, da necessidade, da China ter um acesso, cada vez mais facilitado, aos mercados internacionais, especialmente os europeus, e de melhorar a competitividade externa dos seus produtos.
Relativamente à questão da importância da presença económica europeia no Território, verifica-se que o investimento directo europeu em Macau encontra-se concentrado, sobretudo, no sector financeiro, nas empresas concessionárias de serviços públicos, designadamente as de telecomunicações, energia e abastecimento da água, no sector de construção civil (embora, neste, em acentuada fase de desinvestimento, resultante da crise do sector do imobiliário e da conclusão dos grandes investimentos públicos) e, ainda, nas industriais químicas e electromecânicas. Mais recentemente verificaram-se novos investimentos em actividades de serviços ligados à operação do Aeroporto Internacional de Macau.
Apesar da diversidade dos sectores abrangidos pelo investimento directo europeu em Macau, existe, ainda, um significado potencial de crescimento. Salienta-se que Portugal tem sido, claramente, o maior investidor europeu em Macau, seguindo-se a França e o Reino Unido.
As relações entre Macau e União Europeia tiveram um grande impulso com a celebração, em 1992, do Acordo Comercial e de Cooperação, tendo, desde então, ganho uma maior dinâmica, em resultado do desenvolvimento de cooperação e da criação de um fórum de diálogo na Comissão Mista.
Com efeito, podemos considerar que a celebração deste acordo abriu uma nova fase no relacionamento de Macau com a União Europeia, criando um novo quadro que se revelou ter um papel preponderante no seu desenvolvimento.
No entanto, e apesar da sua importância, as relações entre Macau e a União Europeia revestem outros aspectos, incluindo o das relações comerciais, que assumem um papel significativo na economia do Território.
5. As relações comerciais entre a União Europeia e Macau
A União Europeia é um importante parceiro comercial de Macau. Quase um terço (30,5%) das exportações totais de Macau destinam-se ao mercado da União Europeia, tendo o seu valor, em 1998, ascendido a 651 milhões de dólares dos EUA, com um decréscimo de cerca de 7,5% em relação a 1997. Os produtos têxteis e de vestuário constituem uma parte importante (88%) das nossas vendas para este mercado. Outros produtos exportados incluem calçado (6% do total), máquinas e material eléctrico (2%).
As importações da União Europeia ascenderam a 205 milhões de dólares dos EUA, representando 10,5% das importações totais de Macau.
As importações incluem produtos muito diversificados, com destaque para máquinas, aparelhos e material de transporte (37,2% do total), minerais e combustíveis (9,3 % ) e bebidas (8%).
O saldo da balança comercial com a União Europeia, tradicionalmente positivo para Macau, ascendeu, em 1998, a 446 milhões de dólares dos EUA, um valor muito próximo do registado no ano anterior.
As exportações de têxteis e vestuário são reguladas por um Acordo Bilateral, o primeiro dos quais foi celebrado, em 1975, no âmbito do Acordo Multifibras do GATT. A actual liberalização das quotas de produtos de vestuário, nos termos do Acordo sobre Têxteis e Vestuário da Organização Mundial de Comércio, não tem contemplado as categorias de produtos contingentadas nas exportações de têxteis de Macau, prevendo-se que apenas na terceira fase da liberalização, a partir de 2002, as exportações de Macau usufruam do benefício da abolição de quotas. O terminus do Acordo está previsto para 2005, com a integração dos têxteis no sistema de regras da Organização Mundial de Comércio.
No que respeita ao benefício do Sistema de Preferências Generalizadas, este tem pouco relevo nas exportações de Macau, não tendo grande significado o volume de vendas para a União Europeia ao abrigo deste sistema, devido ao perfil industrial do Território, quer pelos tipos de produtos quer pelo insuficiente grau de integração da produção para responder aos critérios de origem. Assim, o processo em curso de redução das preferências concedidas pela UE não tem efeito sensível nas exportações de Macau.
6.0 Acordo comercial e de cooperação entre a União Europeia e Macau
6.1 Objectivos prosseguidos com a celebração do Acordo de Cooperação União Europeia/Macau
O Acordo Comercial e de Cooperação entre a Comunidade Económica Europeia e Macau foi celebrado em 1992, tendo entrado em vigor em 1 de Janeiro de 1993, por um período inicial de cinco anos, após o qual é renovado tacitamente, por períodos de um ano, se nenhuma das partes o denunciar seis meses antes do seu termo de vigência. As razões que levaram Macau a propor à Comunidade Europeia celebração deste acordo são de vária ordem, mas derivaram, fundamentalmente, de uma vontade explicita de dar maior corpo ao relacionamento até então existente, que se traduzia, em termos comerciais, na vigência do acordo de comércio de produtos têxteis, no quadro do Acordo Multifibras, no benefício do Sistema de Preferências Generalizadas e, ainda, na aplicação do instrumento comunitário "EC Investment Partners", destinado a apoiar a constituição de joint ventures. Assim, os seus objectivos fundamentais foram a consolidação, o aprofundamento e a diversificação das relações entre a CEE e Macau, no interesse mútuo.
Por um lado, a Comunidade Europeia tinha, já então, celebrado acordos deste tipo com diversos países da região Ásia/Pacífico, havendo a preocupação de que Macau não ficasse numa posição de isolamento nesta matéria. Os instrumentos comunitários de cooperação com esta Região, designadamente os de apoio ao investimento, orientam-se preferencialmente para os países com os quais a CE celebrou acordos, pelo que a celebração do acordo constituía uma porta aberta para podermos deles beneficiar, considerando-se que a não existência do acordo punha Macau numa situação de desvantagem relativamente a outras economias da região. A possibilidade de Macau poder utilizar as potencialidades que esses acordos oferecem na criação de estruturas de informação e de cooperação afigurou-se importante, não apenas no desenvolvimento das suas relações directas com a Comunidade Europeia, mas ainda relativamente ao papel que Macau pode desempenhar na ligação com a R.P.China.
Simultaneamente, considerou-se que o desenvolvimento de cooperação decorrente da aplicação do acordo permitiria criar laços e relações ao nível das instituições de Macau e da União Europeia, contribuindo para o desenvolvimento dessas mesmas instituições, o que foi confirmado na prática.
Por outro lado, pretendeu-se criar um fórum de diálogo que permitisse fazer regularmente um balanço do relacionamento bilateral. A instituição da Comissão Mista Macau/União Europeia, que reúne com periodicidade anual, permite dar maior conteúdo às relações entre ambos.
Finalmente, houve a consciência de que os acordos que a CE vinha estabelecendo, designados como acordos de terceira geração, se baseiam no respeito dos princípios democráticos e dos direitos do Homem, tendo-se considerado que a celebração de um acordo deste tipo com Macau constituía, no período de transição em curso e numa perspectiva de futuro, um aspecto particularmente relevante.
Ainda nesta mesma perspectiva de futuro, tendo em conta que a China tinha um acordo de cooperação com a Comunidade Europeia desde 1985, considerou-se que a celebração de um acordo do mesmo tipo entre o Território e a Comunidade contribuiria, após 1999, para uma clara individualização e autonomia da futura Região Administrativa Especial de Macau em relação à China.
As expectativas criadas com o mesmo incluíram a sua possível contribuição para o desenvolvimento económico do Território, mas, também, o seu papel de facilitador no relacionamento da União Europeia com a RPC, visto como uma contribuição positiva para os interesses europeus na região.
6.2 Domínios do Acordo
A cooperação e a execução do acordo baseiam-se no respeito pelos princípios democráticos e pelos direitos humanos que inspiram a política da União Europeia e de Macau, conforme é referido nos seus preâmbulo e artigo primeiro.
O acordo é "não preferencial", não estabelecendo, no domínio do comércio, grandes inovações. Ambas as partes se concedem mutuamente o estatuto da "Nação Mais Favorecida", que já se atribuíam como parceiros da Organização Mundial de Comércio. Adicionalmente, ambas as partes se comprometem a promover a intensificação e diversificação das suas trocas comerciais, atribuindo-se reciprocamente as mais amplas facilidades, tendo em conta as respectivas situações económicas, bem como o desenvolvimento das suas economias e níveis de vida e a diversificação dos seus laços.
A grande inovação reside, fundamentalmente, no desenvolvimento de cooperação, de um modo evolutivo e pragmático, com base no princípio do interesse mútuo, em todos os domínios que se enquadrem no âmbito das respectivas políticas. O acordo contém um conjunto de disposições visando o desenvolvimento de cooperação em variados domínios, não excluindo nenhum, mas mencionando especificamente indústria, comércio, investimento, ciência e tecnologia, informação e cultura, ambiente, turismo, desenvolvimento social, luta contra a droga. Por outro lado, contém uma cláusula evolutiva que prevê que as partes podem, de comum acordo, alargar o seu âmbito a outros domínios para aumentar ou completar os níveis de cooperação.
A Comissão Mista, que se reúne uma vez por ano, tem por atribuições a promoção das actividades de cooperação, procedendo ao acompanhamento e análise do funcionamento do acordo, à análise da evolução dos fluxos comerciais, ao intercâmbio de opiniões e à apresentação de sugestões sobre todas as questões de interesse comum nos domínios abrangidos pelo mesmo.
6.3. Projectos desenvolvidos no quadro do Acordo
Vários projectos de cooperação foram implementados desde 1993, incidindo, prioritariamente, nos domínios da formação de recursos humanos, da cooperação empresarial, e ainda, da preservação da presença cultural europeia em Macau.
Os projectos e programas de cooperação desenvolvidos têm-se inserido, naturalmente, nestes domínios, visando o objectivo global de promover o desenvolvimento do Território e fortalecer as relações com a União Europeia.
Não querendo entrar numa descrição demasiado detalhada sobre os diversos projectos de cooperação, tentarei, no entanto, fazer uma descrição muito sumária, que permitirá ter uma visão, em linhas gerais, dos aspectos mais relevantes da cooperação desenvolvida.
Assim, começaria por destacar que uma parte significativa da cooperação se tem traduzido na formação de recursos humanos, em que incluímos duas áreas distintas, por um lado a educação e por outro a formação profissional, sendo de referir os seguintes projectos:
Na área da educação, o Eurolink, programa de estudo focado em problemas concretos de gestão de empresas estrangeiras operando em Macau ou no Sul da China. Este programa tem lugar na Universidade de Macau, durante os meses de Agosto e Setembro, envolvendo professores e estudantes de Universidades de vários Estados membros da União Europeia, da Universidade de Macau e ainda de Universidades chinesas.
Este programa beneficiou do apoio da Comissão Europeia em 1993, e depois novamente em 1996 e em 1997, aguardando-se para breve uma decisão da Comissão relativamente ao apoio às acções a realizar ainda em 1999, 2000 e 2001.
Outro programa no domínio académico, que se encontra em curso, é o Programa de Doutoramentos da Faculdade de Gestão da Universidade de Macau, que beneficia da concessão de bolsas de estudo pela Comissão Europeia para a realização de estudos em Universidades Europeias, permitindo criar um corpo docente na Faculdade de Gestão com forte ligação às Universidades da União Europeia.
No domínio da formação profissional, um projecto com particular destaque é o de Formação no sector do Turismo, um sector com grande peso na economia do Território, e em que há necessidades de formação de profissionais e de formadores. O Programa de Formação de Formadores no sector do Turismo, da iniciativa do Instituto de Formação Turística, foi aprovado pela Comissão Europeia em 1994, tendo os cursos tido início em Março de 1995. O Programa, com a duração de três anos, visou a formação de cerca de 200 participantes por ano, escolhidos entre profissionais de turismo, com o objectivo de melhorar a qualidade do serviço no sector do turismo, formando profissionais que, posteriormente, transmitem os conhecimentos e competências adquiridos a outros trabalhadores do sector.
O Programa envolveu formadores europeus na realização de duas acções de formação por ano. O sucesso deste projecto permitiu a preparação de um novo programa, visando a afirmação institucional do Instituto de Formação Turística como centro de excelência a nível regional, o qual inclui a criação de um Centro de Estudos Avançados em Turismo, cujo lançamento está previsto para este mês de Maio.
No domínio da Formação de Intérpretes, em técnicas de tradução simultânea, realizaram-se, também, algumas acções de cooperação com a participação do Gabinete de Tradução Jurídica e do Instituto Politécnico, ambos de Macau, e o "Joint Service Interpretation-Conferences", da Comissão Europeia.
O Programa de Protecção da Propriedade industrial, preparado pelo Instituto Europeu de Patentes em articulação com a Direcção de Serviços de Economia, decorreu entre 1995 e 1998. O objectivo do programa foi responder a uma necessidade de localização de legislação nesta matéria, criando simultaneamente as melhores condições para uma eficaz protecção dos direitos de propriedade industrial em Macau, em consonância com os compromissos internacionais assumidos pelo Território no Acordo TRIPS (Trade Related Aspects of Inteflectual Properiy Rights), no âmbito da Organização Mundial de Comércio. O programa incluiu assistência técnica e formação de recursos humanos visando a preparação de legislação, estruturas administrativas e mecanismos de protecção de marcas, patentes e desenhos industriais. Tratando-se de um domínio importante para o comércio internacional, está-se, actualmente, a equacionar a possibilidade de vir a ser objecto de um novo projecto de cooperação.
Instituto de Estudos Europeus de Macau - O projecto, aprovado pela Comissão Europeia em 1995 e concluído no final de 1997, envolveu o apoio ao lançamento do Instituto de Estudos Europeus de Macau, que teve lugar dia 6 de Fevereiro de 1996, e a diversas actividades promovidas pelo Instituto, designadamente seminários, conferências e projectos de investigação em diversos domínios, especialmente nos das relações económicas entre a União Europeia e a região asiática, designadamente a China, do respectivo direito comparado, bem como sobre a divulgação da própria União Europeia.
Foi aprovado, recentemente, um novo programa de cooperação com Instituto de Estudos Europeus de Macau, abrangendo algumas das actividades de cariz académico por este desenvolvidas bem como algumas iniciativas no âmbito da sua afirmação como um útil difusor da União Europeia na Ásia. Entre estas é de destacar um programa de divulgação do Euro, que foi preparado em estreita colaboração entre o Instituto de Estudos Europeus de Macau e os serviços competentes da Comissão Europeia.
Está, actualmente, em curso o Programa de Formação na Administração Pública, destinado a apoiar o desenvolvimento da formação de recursos humanos da Administração Pública de Macau, permitindo melhorar as capacidades de gestão da formação na Administração Pública e apoiando directamente a preparação e realização de cursos de formação seleccionados. O Programa deverá concluir-se em meados do corrente ano.
No domínio da cooperação empresarial, foi promovida a realização de diversas conferências e seminários, com o objectivo de, por um lado, promover contactos entre empresas e divulgar aos empresários europeus as potencialidades do Território, como porta de entrada no sul da China, e, por outro, divulgar aos agentes económicos locais, designadamente aos exportadores, o Mercado Único Europeu, as regras em matéria de comércio externo e as normas em matéria de qualidade, e promover a transferência de tecnologias europeias, em particular as tecnologias do ambiente na RPC.
Foi concluído, em 1998, o Programa de Cooperação Empresarial, que tinha como objectivos os de contribuir para a modernização das empresas do Território, de desenvolver as relações empresariais com a Europa, e ainda de promover Macau como porta para a China. O Programa, com a duração de dois anos, teve início em 1996, incluindo duas componentes, uma visando o Centro de Produtividade e Transferência de Tecnologia de Macau e outra visando o Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau. O programa acompanhou a fase de arranque do CPTTM desde a sua criação, apoiando-o no desenvolvimento de relações institucionais com organismos congéneres na Europa e no estabelecimento de laços visando o intercâmbio de tecnologias.
E de referir, ainda, o Programa de desenvolvimento de serviços offshore, em fase de concurso na Comissão Europeia, com o objectivo de criar as melhores condições para o desenvolvimento em Macau de serviços offshore, designadamente de serviços financeiros, proporcionando assistência técnica na definição do enquadramento administrativo e legislativo e incluindo formação de recursos humanos e promoção específica de Macau enquanto centro internacional de serviços.
No domínio da preservação do património cultural de Macau foi apoiado o projecto do Arquivo de Segurança do Arquivo Histórico de Macau, concluído em 1995, o qual teve como objectivo a preservação da documentação existente neste Arquivo, única fonte de estudo da História de Macau.
7. Perspectivas de futuro
Neste final de milénio, as economias defrontam-se, hoje, com um quadro de complexas mutações económicas, tecnológicas, políticas e sociais.
Nos séculos XV e XVI os oceanos dividiam e separavam o mundo. Agora e citando o antigo Director-Geral da Organização Comercial do Comércio (OMC), Sr. Renato Ruggiero:
"Now they unite us. Thousands of miles of fibre optic cables weave oceans and continents together, as do millions of sound waves and electromagnetic signals crisscrossing the atmosphere above our planet. Twenty-four hours-a-day this global network carries the world's business contracts, currency transactions, medical information, and educational resources instantaneously across time zones, borders and cultures.
The new trade routes of the 1990's are laser flashes and satelite beams. The cargo is not silk or spices, but technology, information and ideas".
Não se pode prever, actualmente e com certeza, onde este processo de mudanças rápidas e estruturais nos conduzirá. O que é claro é que esta nova economia, baseada nas tecnologias de informação, livre de muitas limitações impostas pela distância, pelo tempo e pelos recursos naturais, tem o potencial para acrescentar uma nova dimensão à globalização das economias, já designada por economia sem fronteiras ("borderless economy").
É, assim, neste contexto que se deve colocar a questão de saber qual o futuro da economia de Macau e qual o papel do Território no quadro das relações entre a União Europeia e China.
O balanço que fazemos da vigência do Acordo de Cooperação é globalmente positivo. Com efeito, cremos que a cooperação não pode deixar de ter repercussões no desenvolvimento económico e social do Território ao contribuir para a valorização dos recursos humanos, pela realização de acções de formação, transferir know-how, resultante de apoio de consultores internacionais altamente especializados, contribuir para a consolidação de diversas instituições do Território e facilitar o seu relacionamento com instituições congéneres, e apoiar a organização e o financiamento de iniciativas no domínio académico, no domínio cultural e no domínio da promoção do comércio, do investimento e da transferência de tecnologia.
Simultaneamente, a cooperação tem também proporcionado apoio em diversos domínios que se prendem com o processo de preparação da transferência de Administração durante o corrente período de transição. Constituem exemplos deste apoio o projecto no domínio da propriedade industrial, que inclui apoio técnico à localização de legislação, e que se prende também com o respeito de compromissos assumidos por Macau no quadro da OMC - Organização Mundial de Comércio. Ou, também, o Programa de Formação na Administração Pública, que se integra no processo de localização de quadros da Administração, a qual tem exigido um investimento importante em formação, e que este programa vem complementar.
Neste momento, os principais objectivos com o desenvolvimento da cooperação são os de reforçar o relacionamento institucional com a União Europeia e dar-lhe maior visibilidade e consistência, de forma a consolidar laços para o futuro e a dar-lhes um carácter de permanência numa perspectiva de longo prazo. Estamos convictos de que este tipo de cooperação é do interesse mútuo, pois a União Europeia poderá encontrar em Macau um facilitador das suas relações com esta região, nomeadamente no que respeita ao desenvolvimento e consolidação de interesses económicos europeus. Procura-se tirar partido das potencialidades de Macau como possível facilitador destas relações e aproveitar a aplicação do Acordo para desenvolver estas características de Macau. Nesta perspectiva a Comissão Europeia incluiu recentemente Macau no programa "Asia lnvest".
Podemos considerar que se assiste actualmente, nesta fase final da transição antes de cessar a Administração portuguesa em Macau, a um reforço da cooperação com a União Europeia. Um sinal patente deste reforço será a prevista fixação de um "EU Cooperation Officer" em Macau, que coordenará as actividades de cooperação. Macau tem transmitido à Comissão Europeia o desejo de que esta tenha um representante no Território reportando directamente a Bruxelas, em consonância com a opinião do Parlamento Europeu, que tem pressionado a Comissão nesse sentido.
Consideramos do maior interesse que Macau continue, após 1999, com este diálogo privilegiado com a União Europeia, promovendo uma imagem de efectiva autonomia na condução das políticas económica e comercial, em conformidade com o estabelecido na Declaração Conjunta Luso-Chinesa e na Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China.
Estamos optimistas quanto ao reforço deste relacionamento, tendo já sido confirmada pelas autoridades chinesas a vigência do Acordo Comercial e de Cooperação no futuro pós 99, bem como a manutenção das delegações de Macau existentes em Bruxelas e em Lisboa.
Da parte da União Europeia, tem sido transmitida, com clareza, uma mensagem de continuidade na manutenção do relacionamento com Macau, quer durante o actual período de transição quer, no futuro, com a Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China. Nesse sentido apontam as Conclusões dos últimos Conselhos Europeus, que incluem referências positivas ao processo de transição de Macau, o acompanhamento atento pelo Parlamento Europeu do processo de transição, e o facto da Comissão Europeia, estar a preparar um documento de fundo sobre o relacionamento futuro com Macau.
Temos, assim, razões suficientes para acreditar que, no âmbito do processo de aceleração da integração das economias do Rio das Pérolas, induzido, designadamente, pela criação das Regiões Administrativas Especiais de Hong-Kong e de Macau, da RPC, o Território não deixará, pois, de reforçar o seu papel, como plataforma no relacionamento entre a União Europeia e a China, passando a distinguir-se como nó de serviços, facilitador de investimentos e de negócios, centro turístico de excelência e espaço multicultural, permitindo-lhe, assim, encarar com confiança os desafios do futuro.