O futuro da globalização
Ago, 22, 2008
É tempo de ganhar consciência das tendências mundiais quando elas estão a desenhar-se e não quando já entraram em declínio.
Por: Teodora Cardoso
Fonte: Diário Económico

 

É tempo de ganhar consciência das tendências mundiais quando elas estão a desenhar-se e não quando já entraram em declínio.

Por: Teodora Cardoso
Fonte: Diário Económico

Algumas coisas a presente crise internacional tem vindo a tornar claras:

1. A crise financeira não foi uma simples crise de liquidez e nem sequer nesse plano foi fácil resolvê-la. O seu impacto na economia está a manifestar-se de duas formas diferentes – o declínio do crescimento e a subida dos preços – ambas igualmente perniciosas e difíceis de combater. A contribuir para essa dificuldade, está o facto de que o expansionismo monetário necessário para contrariar uma – a contracção do crédito – agrava a outra – as expectativas de inflação.

2. Investidores que exigem um rendimento para as suas aplicações duplo ou triplo do da economia têm de estar preparados para incorrer nos riscos respectivos. Se for considerado que isso põe em risco a própria economia, então, tal como os trabalhadores têm de prescindir de direitos adquiridos e de conformar-se com quebras de rendimento, em nome da estabilidade e da competitividade, a moderação terá de ser extensiva aos rendimentos do capital.

3. Se é certo que os governos criam distorções, sofrem de miopia política e introduzem imperfeições nos mercados, não o é menos que, deixados a si mesmos, estes criam outras distorções e imperfeições, revelam-se ainda mais míopes e agravam as desigualdades ao ponto de as tornar insustentáveis. Pior ainda, tornou-se evidente que a eficiência, cujo estímulo justificava a desregulação e a assimetria de rendimentos, tinha afinal uma forte componente de ilusão.

4. Tornou-se impossível sustentar a posição de que, para que as economias cresçam e todos os cidadãos disso beneficiem, basta assegurar a liberdade de trocas internacionais e a flexibilidade dos mercados do trabalho, a par com políticas fiscais  que oneram o trabalho e libertam o capital. A harmonização fiscal, impossível quando restringida à UE, ganhará viabilidade quando os Estados Unidos a aceitarem. O desmoronar do modelo americano – agora muito mais flagrante que o dos modelos europeus realistas –, juntamente com o reconhecido pragmatismo e competência que caracterizam os profissionais desse país, permitem esperar uma mudança acentuada nesta área.

5. Apesar de tudo isto, continua a ser impossível defender a eficiência de políticas proteccionistas que sustentem a ineficiência de sectores específicos. O que se passa com a agricultura e com a energia – tradicional e generalizadamente protegidos – não deixa dúvidas a tal respeito.

A lista poderia continuar, mas estes pontos permitem já duas conclusões. A primeira respeita à necessidade de a UE se (re)posicionar  naquilo que Richard Haass designa, no último número da Foreign Affairs, como o mundo “não polar” que está a suceder ao breve período unipolar, totalmente dominado pelos Estados Unidos. Nesse novo enquadramento haverá lugar à concertação de poderes com vista à definição de regras do jogo e à instituição de mecanismos capazes de assegurar o seu cumprimento, no plano económico como em qualquer outro. A globalização subordinada ao modelo americano deixará de ser uma imposição, o que permite – ou, mais rigorosamente, exige – que finalmente se crie o “modelo europeu” que tantos consideraram defunto ainda antes dele existir.

A segunda conclusão diz respeito a Portugal e a todos os que considerem visionário o que ficou dito atrás. É tempo de começarmos a ganhar consciência das tendências mundiais quando elas estão a desenhar-se e não quando já entraram em declínio. Como Keynes (um investidor de sucesso) afirmava, “o investimento bem sucedido exige sermos capazes de antecipar as expectativas dos outros”. Porém, como ele também lembrava, “o maior problema não é o de fazer aceitar ideias novas, mas o de fazer esquecer as antigas”. Por isso, acreditar que a globalização vai mudar não quer dizer que ela desapareça, mas sim que deixará de ser ditada pelas tradições e interesses de um único país. Esse enquadramento oferecerá mais oportunidades, mas será também mais complexo, capaz de beneficiar os mais capazes de o antecipar e de punir os que persistam em o ignorar.

Fonte: Teodora Cardoso, Diário Económico, em 09.Mai.2008

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